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Comum é tudo aquilo que pertence a mais de dois seres ou coisas. É algo simples. Um processo habitual! O Grão Comum é de Pernambuco! É do Brasil! É arte, jornalismo e natureza.




sábado, 9 de junho de 2012

Gilberto Gil pensando a cultura brasileira

Nosso ex-ministro da cultura e músico Gilberto Gil, afirmou no Plano Nacional de Cultura do nosso país: "É preciso avivar o velho e atiçar o novo, porque a cultura brasileira não pode ser pensada fora desse jogo, dessa dialética permanente entre a tradição e a invenção, numa encruzilhada de matrizes milenares e informações e tecnologia de ponta".

PROCESSO DE CRIAÇÃO: coletivo grão, muitas fronteiras, tentativas de teatro


 Após o início do coletivo (em janeiro de 2008), o principal objetivo comum era nos conhecermos e reforçarmos nossos interesses de trabalhar coletivamente. Para alcançar tal objetivo, cada integrante propôs apresentar durante os ensaios suas metodologias de trabalho com o corpo, a maneira de pensar a cena criativa, o discurso do artista que deveria chegar ao público e que deveria ser mais importante que o orçamento do espetáculo (que muitas vezes é o que possibilita sua realização). Não queríamos pelo pouco dinheiro e pela ausência de incentivos oficias (seja da União, do Estado ou do município) deixar de fazer nossos espetáculos (que na sua essência deveriam ser simples).

Após o primeiro momento das apresentações, foram reconhecidas as diferenças, as fronteiras, as fraquezas e os campos de domínio de cada intérprete. Começava a germinar um grão comum!Surge, então, a proposta: Cada ator realizaria um monólogo como exercício de criação, como síntese do seu trabalho, da sua carreira. Em vez de um espetáculo em que todos atuassem juntos, teríamos quatro produções distintas (o que já de antemão ampliava nosso mercado de trabalho). Cada ator escolheu um tema, pesquisou e elaborou uma dramaturgia, um projeto de encenação, um pensamento sobre todos os elementos que compõem as artes cênicas (iluminação, sonoplastia, ambientação/cenografia, figurino e produção). Pensávamos que seguindo este processo estaríamos em permanente formação, reinventando e fortalecendo nosso teatro de pesquisa e de experimentação. O ator que está em cena no seu monólogo não está realmente sozinho na cena. Os outros estão igualmente envolvidos operando a luz, o som, as varas, a bilheteria. Os que estão fora da cena estudam o ator que está dentro. São observadas suas técnicas, suas formas de representação, sua postura como profissional, sua relação com o público. Assim, cada qual ocupa a atenção da cena ou a responsabilidade dos bastidores, da colaboração de somar forças, estratégias de ação, de divulgação e de alcançar, com muito esforço, o êxito, o sucesso e o reconhecimento dos caminhos das nossas investigações. Ou até mesmo os fracassos...

 Asaías Lira fez Mucurana – o peixe. Era um texto de Hermilo Borba Filho com direção de Carlos Carvalho. Ele protagonizava o personagem título e atuava com outros atores. Quando o processo terminou, Asaías não abandonou o personagem. Nascia sim uma vontade plena de dizer mais coisas, de falar coisas pessoais e de relevância para uma platéia brasileira contemporânea popular. Zaza escreveu o que gostaria de dizer e somou ao texto provérbios, charadas, músicas e poesia da cultura nacional. Nascia um novo espetáculo MUCURANA – DE MUNDO AFORA E HISTÓRIA ADENTRO. Encontrou espaço na rua, apresentando o espetáculo em mercados públicos, praças e feiras. Zaza, primeiramente, queria o mundo e só depois foi para o palco fechado de um teatro. Na verdade, ele poderia estar em qualquer lugar porque o espetáculo estaria ali para qualquer momento, bastava vestir sua roupa aparentemente pobre, colocar seus instrumentos pelo corpo, abrir seu tapete vermelho florido como o Brasil dos índios, dos “pretos” e do branco. E essa aparente mistura de raças, de sonhos, esse conflito eminente e camuflado, essa piada cheia de graça e esse caneco quase vazio de moedas era o universo deste “palhaço brasileiro”, deste artista mambembe. A raiz desse espetáculo, centrada numa comunicação aberta deste personagem com seu público, remete à tradições “folclóricas” povoadas por lendas e mitos, através de charadas, brincadeiras, mungangas e cantigas. No livro História Mundial do Teatro, por exemplo, Margot Berthold nos ilumina ao recompor toda trajetória desses personagens, desses atores ditos “ambulantes”. Assim ela descreve: “Na primeira metade do século XVII a Europa Central era atormentada por guerras. Como sempre e em qualquer parte, bufões e atores ambulantes seguiam nas retaguardas dos corpos dos exércitos. Onde quer que houvesse luta ou onde a batalha estivesse encerrada eles podiam estar certos de serem bem-vindos, na corte ou nas cidades, na praça dos mercados, nas feiras e nas estalagens dos vilarejos. Os atores ambulantes eram capazes de lançar pontes entre países cujos governantes estavam em guerra. Eles eram aplaudidos em todos os lugares porque o público desejava um pouco menos de erudição e um pouco mais de divertimento. Nesta brecha entrava o bufão e o palhaço. Ele era o primeiro a saltar a barreira da linguagem com uma espirituosidade verbal direta e sem rodeios”. Essa proposta de comunicação pode ser assim traduzida: é uma forma de brincar, um prazer de descobrir, um divertimento que fundamenta a pesquisa como se a mesma fosse um jogo, um enigma, uma charada a ser desvendada. Esse modo de pesquisar estimula sensibilidade do artista com sua obra e com seu público e faz abrir o canal para todos, facilitando a percepção entre o que permanece misterioso e o que já está revelado, entre a fronteira mágica do choro e do riso que constitui a alma humana.

 Para Júnior Aguiar tudo começou com uma pergunta: O QUE MAIS GOSTARIA DE DIZER NO TEATRO? Aos poucos e de forma bastante particular foram encontrados os textos da dramaturgia. Seis no total. VOZES DE UMA SOMBRA (Augusto dos Anjos) encontro na lápide de um túmulo no Cemitério de Santo Amaro enquanto se dirigia para uma visita ao túmulo de Chico Science. Transcreveu e guardou. O texto faz a seguinte pergunta: Donde venho? E a resposta existencial, metafísica diz de todos nós. Diz das eras remotíssimas, das substâncias elementaríssimas, do turbilhão de todas as vertigens e do silêncio... A UM CARNEIRO MORTO (Augusto dos Anjos) apresentado pelo músico e amigo Leo Zad. Contundente, violento e simbólico. O texto nos coloca diante de um misericordiosíssimo carneiro esquartejado e nos afirma: "se fosses Deus, no dia do juízo, talvez perdoasses os que te mataram!" UMA MANHÃ NO CORAÇÃO DA AFRICA (Patrice Lumumba) estava num livro de História Contemporânea. Fala do negro que sofreu como um animal. É um testamento da dor, do absurdo da dor que "no abrigo dos bosques fazia o negro aceitar uma morte horrivelmente cruel, oculta, desafiadora como galhos de espinheiros e copas de árvores". Essas palavras também falam da velha África onde "as resplandecentes luzes do sol brilharão de novo para nós". MITO MESOPOTÂMICO DA CRIAÇÃO (Nur Aya) originalmente escrito em tábuas de barro, posteriormente, traduzidas para o inglês e publicada em português no livro a terra sagrada. Talvez seja esse o texto mais emblemático da encenação porque fundamenta a ligação com todos os outros. O assassinato de um deus dotado de inteligência evidencia a dissolução da matéria, mas não da memória, porque do corpo do deus surge um fantasma que reaparece para lembrar tudo o que aconteceu. ASCESE é uma obra magnífica de Nikos Kazantzakis. Igualmente metafísico aos de Augusto dos Anjos, fala do caos, dos abismos de onde tentamos sair para a luminosidade da vida! Por fim, UMA CRIATURA, poesia de Machado de Assis encontrada no Museu da Língua Portuguesa. Um dos textos mais universais de Machado onde ele descreve uma criatura "antiga e formidável (...) que gosta do colibri como gosta do verme e cinge ao coração o belo e o monstruoso". Essa criatura pode ser a VIDA ou a MORTE. Durante a temporada o roteiro permaneceu sendo adaptado e ganhou duas inserções. Uma extraída do Dicionário de Símbolo de Jung que falava da cor preta, do luto preto. A outra, não propriamente um texto, mas uma frase do livro O homem e a Morte de Edgar Moran (“O homem não pode olhar duas coisas nos olhos... o sol e a morte”). Separados dizem coisas específicas. Reunidos, colocados em diálogo, fazem nascer uma intrigante dramaturgia. Júnior Aguiar utilizou os recursos da colagem, da ruptura e da intertextualidade para evidenciar um discurso que interliga falas contemporâneas à vozes ancestrais. Na nossa dramaturgia do discurso ouvimos vozes de um mundo global: são 2 brasileiros, 1 grego, 1 africano e 1 autor dos tempos remotos da Mesopotâmia. Machado de Assis (1839-1908) era conhecido como o bruxo do Cosme Velho (do poema de Drummond). Sua obra permanece atualíssima e universal. É uma grata responsabilidade dizer suas palavras imortais. Augusto dos Anjos (1884-1914) é considerado o poeta dos vermes, o cientificista merecendo lugar na tribuna de honra da poesia brasileira pela profundidade filosófica que transpira dos seus pensamentos, como pela fantasia de suas divagações. Seus versos transportam a dor humana ao reino dos fenômenos sobrenaturais. A morte é uma constante em sua obra. Depois dela, a desintegração, os vermes apenas. Augusto dos Anjos é o pessimismo, a angústia, os distúrbios e as incertezas quanto ao novo século. O poeta e filósofo Nikos Kazantzákis (1883-1957) nasceu na capital de Creta (ainda durante o domínio turco). Viajou pela Espanha, Inglaterra, Japão, China, Rússia, Itália, Egito, Jerusalém, Chipre e Peloponeso. O tema da sua vida e obra foi a luta pela liberdade, da pátria e do próprio ser humano. Morreu em Friburgo, na Alemanha, aos 74 anos de idade afirmando: “nada receio, nada temo, sou livre!”. Patrice Lumumba (1925-1961) nasceu em Onalua. Foi líder anti-colonial tornando-se o primeiro-ministro eleito em junho de 1960 (na atual República Democrática do Congo). Encarnou o anseio da liberdade de todos os povos oprimidos e humilhados do continente. Fundou o Movimento Nacional Congolês (primeira organização política nacional). Foi preso e assassinado pela CIA sob torturas indescritíveis na noite de 17 para 18 de janeiro de 1961. Antes dessa vergonhosa e criminosa ação contra a sua vida escreveu uma carta-testamento: “Minha fé se manterá inquebrantável. Eu sei e eu sinto no fundo de mim mesmo que cedo ou tarde meu país se libertará de todos os inimigos que ele se levantará, como um só homem para dizer não ao vergonhoso e degradante colonialismo e reassumir sua dignidade sob um sol puro”. Nur-Aya (1702 - 1682 a.c.) Viveu no reinado de Ammi-saduqua (Rei da Babilônia). Aguiar iria encenar o simbólico assassinato de um deus dotado de inteligência. Lembrando que do corpo do deus surge um fantasma que sempre volta para lembrar tudo o que aconteceu desse lado onde estás. E que o deus ancestral é o negro dotado de inteligência. O deus primordial da África. O deus negro iluminado pelas luzes resplandecentes do sol. Assim, ABANOI – DESSE LADO ONDE ESTÁS partindo dos textos citados torna-se espetáculo porque “espetáculo é tudo que se oferece ao olhar”. E também é performance porque não é mais fácil definir ou localizar. A performance é o campo da liberdade, é onde se pode tudo, é o espaço além das fronteiras entre o espetáculo estético e a prática cultural. Seria o espetáculo uma fábula? A origem vem do latim (fabula) e significa fala, relato, mito. A fábula é uma montagem de motivos apresentados de maneira fragmentária e descontínua. A cena ou o quadro formam as unidades básicas que somando-se produzem uma seqüência épica. Era necessário ficar atento e fazer os elementos da cena ficarem tão dependentes uns dos outros como que por necessidade, “que todas as coisas sejam aí tão bem encadeadas que saiam uma da outra por uma justa conseqüência”. E escreve Le Galliote: “O teatro é uma permanente oscilação entre o simbólico e a imaginário” .“É o lugar onde a fantasia se manifesta no inacessível, é onde a fantasia flutua entre três tempos: passado, presente e futuro. A representação teatral compartilha com a fantasia esta mistura das temporalidades e este embaralhamento da cena real e da cena fantasiada. O espectador, colocado diante de um acontecimento presente, deve, para assimilá-lo, recorrer a sua experiência anterior, projetando-se num universo vindouro”.

Daniel Barros escolheu falar sobre a questão das sexualidades. Encontrou no seu caminho um texto de Nelson Rodrigues. Falecido no dia 21 de dezembro de 1980, faz exatos 20 anos da morte de Nelson Rodrigues. E mesmo Nelson dispensando apresentações, por ser o maior nome da nossa dramaturgia nacional, por sua obra até hoje provocar polêmica e suas idéias reacionárias - muitas vezes tachadas de obscenas e imorais - refletirem bastante do inconsciente coletivo brasileiro tornou-se necessário e desafiante, para Daniel Barros, trabalhar com essa “matéria rodriguinana”. Realista, seus textos criticam a sociedade e suas instituições (principalmente o casamento). Em síntese, Nelson foi um grande escritor, dramaturgo e cronista e está imortalizado na literatura brasileira. DELICADO propõe uma homenagem a Nelson Rodrigues e estabelece como fonte de inspiração para sua dramaturgia o conto homônimo da série A VIDA COMO ELA É... A ele foram incorporadas novas citações: Clarice Lispector, Marco Pólo, Músicas do candomblé, além da própria dramaturgia do ator. DELICADO discrimina a fronteira entre o permitido e o proibido, a repressão do desejo e a transgressão violenta do ser. É com delicadeza que o espetáculo tece o tecido rendado e branco deste discurso dramatúrgico, minimalista e experimental. Assim, a leitura do trabalho permite ao espectador, observar e refletir como cada sociedade, em cada época de sua História, define os valores positivos e negativos para seus membros, o contexto dos deveres e do imperativo moral. Como cada sociedade estrutura suas regras fixas, seus códigos, suas leis e regulamentos muitas vezes repressores e violentos, causadores de psicoses, neuroses, angústias e desesperos. Ser livre, portanto, é pôr-se de acordo com as regras da sociedade. A moralidade é basicamente condenatória; e DELICADO investiga - através das suas imagens, da sua dramaturgia do discurso, do ator narrador/depoente - desnudar a hipocrisia e a violência da moral vigente. Só então, pode se restituir o antigo ideal de felicidade/liberdade que nossa sociedade destruiu/maculou por meio da repressão e do preconceito. No espetáculo DELICADO tudo gira em torno de um conceito moral. Do pai que deseja ter um filho homem porque só assim teve uma família de fato. Do tio que alerta que aquele menino para ser homem precisa casar. E das irmãs e da mãe reconhecer a necessidade urgente de preparar o casamento. E do próprio Eusébio que, no dia da cerimônia, aparece enforcado e vestido de noiva, deixando o seguinte recado: “QUERO SER ENTERRADO ASSIM”.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

epílogo

"No princípio de tudo não existiam limites visíveis para o olhar de ninguém... Não havia espectador privilegiado para o espetáculo do mundo e este, ou dominava no impensado de deuses que desconhecemos, ou simplesmente estava numa eternidade de silêncio"